Excesso de livros ou escassez de leitores?
Fonte: O Estado de S.Paulo - 06 de dezembro de 2011 | 3h 07
Os dados sobre hábitos de leitura nos levam a um
paradoxo. O Brasil apresenta uma produção de livros bastante razoável.
Ao mesmo tempo, a média anual de livros lidos é muito baixa. Como
explicar isso?
Em 2010 as editoras brasileiras publicaram quase 500 milhões de
livros, um aumento de 23% em relação a 2009 - muito expressivo. O número
de exemplares vendidos no mercado (livrarias, internet, porta em porta,
etc.) cresceu 8,3%. Se incluirmos as vendas ao governo, o aumento foi
de 13% (Censo do Livro, Fipe/CBL/Snel, 2011).
Ao mesmo tempo, fala-se que o brasileiro lê 1,8 livro não acadêmico
por ano. Nos países desenvolvidos essa média é de 10 obras lidas. Na
França são 25 livros por ano! Num estudo da Unesco realizado em 52
países, o Brasil ocupou a 47.ª posição.
Afinal, o que está havendo? Excesso de livros ou escassez de leitores?
Decifrar esse paradoxo é um desafio. Não se pode negar que, para a
maioria dos brasileiros, o livro no Brasil ainda é caro, apesar de ter
barateado ultimamente. Isso explica por que 66% dos livros publicados
estão nas mãos de 20% da população. Além disso, o País tem apenas 2.500
livrarias - um número minúsculo perto das 110 mil lan houses. Para
muitos, a informação digital está chegando antes do que a impressa. O
número de bibliotecas é irrisório e as bem equipadas são raras. O mais
grave, porém, é que cerca de 14 milhões de brasileiros com idade
superior a 15 anos não sabem ler (dados do Censo de 2010). E, ainda por
cima, o analfabetismo funcional atinge 40 milhões de pessoas.
Não surpreende que, para essa enorme parcela da população, falta o
hábito de leitura. Pesquisas recentes mostram que crianças que
testemunham seus pais lendo tendem a ler bastante na vida adulta. As
outras leem pouco. Ou seja, o hábito de leitura é transmissível de
geração para geração (Anna L. Mancini e outros, On intergenerational
transmission of reading habits in Italy, Boon: Institute for the Study
of Labor, 2011).
Quem tem o hábito da leitura lê em qualquer circunstância: na escola,
em casa, no transporte, no livro de papel ou na tela do computador,
enfim, em todo lugar. Muitos se tornam compulsivos. E a adolescência é a
fase em que as pessoas mais leem. Passado esse tempo, é muito difícil
transformar um não leitor em leitor. Por isso, é bem provável que a
baixa média de leitura no Brasil esteja sendo puxada para baixo pelos
vários milhões de adultos que nunca chegaram a formar um bom hábito de
leitura.
Essa é a opinião de Ignácio de Loyola Brandão. Ele, que viaja o ano
inteiro pelo interior do Brasil, está impressionado com o grande
interesse que os jovens demonstram pela leitura. Nas comunidades mais
longínquas e nas mais baixas faixas de renda eles encontram uma maneira
de conseguir os livros emprestados, "devorando-os" em pouco tempo. Em
sua opinião, os estudantes brasileiros estão mantendo grande
familiaridade com os livros. A média de leitura desse grupo deve estar
muito acima da marca de 1,8 livro por ano.
Estaria, assim, o paradoxo decifrado? É provável. O avanço da
produção editorial e a ampliação das matrículas escolares, ao lado das
ações de governo para baratear e divulgar os livros, devem ser sentidos
nos próximos anos. Quem está lá na ponta, conversando com os
adolescentes, como faz o meu amigo Ignácio, já percebe essa mudança. É
uma boa notícia.
Mas nessa empreitada precisamos ir depressa, porque a corrida é em
relação a um ponto móvel. Nos dados do Índice de Desenvolvimento Humano
de 2011, o Brasil perdeu posições por causa da má qualidade da educação.
Estamos atrás de Jamaica, Bósnia, Líbano, Chile, Uruguai, Argentina e
outros. Até a Venezuela nos passou na frente. E, para melhorar a
educação, ler é essencial. Na verdade, ler é educar-se.
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